Le Déjeuner sur l’herbe

Le Déjeuner sur l’herbe

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Le Déjeuner sur l’herbe, em português: “O almoço sobre a relva” ou “O piquenique no bosque”, do pintor francês, Édouard Manet (1832-1883), intitulada inicialmente como: Le Bain (“O Banho”) ou “Le Petit carrée” foi apresentada no Salon de Paris, em 1863 e recusada pelo júri oficial por imoralidade, falta de técnica e de estilo.

Aceito no Salão dos Recusados (“Salon des Refusées”) em 15 de maio de 1863 criado especialmente por iniciativa de Napoleão III (1852-1870) que considerou o júri do Salon oficial severo demais ao recusarem cerca de 3.000 obras das 5.000 inscritas.

Le Déjeuner sur l’herbe
“Le Déjeuner sur l’herbe” (1863), de Édouard Manet. Museu d’Orsay.

Mesmo nessa exposição paralela, Manet com seu Le déjeuner sur l’herbe foi objeto de zombarias com uma grande reação negativa dos críticos de arte, dos jornalistas e uma boa parte dos visitantes. Classificada como indecente e de pouco valor artístico.

Manet, mesmo inspirando-se em obras de antigos mestres provocou um escândalo na sociedade da época, pois conseguiu fazer uma ruptura significativa contra o academismo dos pintores classicistas em moda naquele momento.

Tela de grande formato, de 2.08 m de altura por 2.65 m de comprimento, encontra-se atualmente em exposição no Museu d’Orsay, em Paris, na França.

Museu d’Orsay, em Paris. Foto: DXR.

Inspirações:

“Le Concert champêtre” (1509-1510).

Ou em português: “O Concerto Campestre“. Obra iniciada em 1509 por Giorgione (1477-1510) e finalizada provavelmente em 1510, pelo seu aluno Ticiano (1490-1576), logo após a morte do mestre.

A composição apresenta quatro personagens em poses semelhantes a obra de Manet, inclusive com uma lagoa bem ao fundo no vale, só faltou mesmo a presença da mulher tomando banho.

“Concert champêtre” (1509/1510), de Giorgione (1477-1510) e Ticiano (1490-1576). Museu do Louvre.

“Le Jugement de Pâris” (1514 a 1518).

Obra perdida de Rafael (1483-1520), mais que ficou conhecida graças as gravuras feitas entre 1514 e 1518, por Marcantonio Raimondi (1480-1534). Os três personagens sentados no lado direito do observador serviram como fonte de inspiração para a obra de Manet.

Enquanto que as mulheres da esquerda, podem ter servido com fonte de inspiração para Pablo Picasso (1881-1973), para sua “Les Demoiselles”.

“Le Jugement de Pâris”, de Rafael. Gravura de Marcantonio Raimondi (1480-1534). Museu Staatsgalerie, Stuttgart (Alemanha).

“La Partie carrée” ou “The Foursome” (1713).

Obra do pintor francês Jean-Antoine Watteau (1684-1721), que apresenta quatro figuras conversando dois homens e duas mulheres iluminadas em um jardim à noite, cenário semelhante a obra de Manet.

“La Partie carrée” (1713), de Jean-Antoine Watteau (1684-1721).

Título com conotação sexual, para dizer: “sexo em grupo” ou “sexo grupal”, no caso aqui em tradução livre pode ser: Jogo a quatro ou Partida a Quatro.

Descrição da obra:

“Le Déjeuner sur l’herbe” (1863), de Manet.

Composta essencialmente por quatro personagens, sendo dois homens vestidos em trajes da época (1861), uma mulher nua (que fixa seu olhar para o expectador) e uma mulher ao fundo se banhando vestida em um pequeno rio (ou lago).

Le Déjeuner sur l’herbe
“Le Déjeuner sur l’herbe” (1863), de Édouard Manet (1832-1883).

Todos estão inseridos numa paisagem natural, podendo ser uma floresta, um bosque ou um jardim particular imaginado por Manet. Uma natureza composta por árvores, folhagens, um gramado, um rio, um barco encostado na margem, um sapo (canto esquerdo ao lado das vestes da mulher) e um pássaro (no alto, acima das costas da banhista).

Le Déjeuner sur l’herbe
“Le Déjeuner sur l’herbe” (1863), de Édouard Manet (1832-1883).

Entretanto, como sabemos não é uma cena real pintada no exterior, pois tudo foi feito em estúdio. Composição inspirada em esboços traçados nos jardins da casa da família do pintor em Gennevilliers, cidade localizada a 4 km de Paris, lado norte.

A perspectiva da obra foi quebrada com a banhista que se encontra no fundo que está atrás dos três principais personagens do 1° plano, está totalmente fora de escala, deveria ser bem menor.

As luzes e sombras também estão fora do contexto dos personagens, deixando claro que a composição não foi feita num bosque e que a iluminação é artificial.

Le Déjeuner sur l’herbe
“Le Déjeuner sur l’herbe”. Composição piramidal de Manet. Museu d’Orsay.

Como nas composições da arte clássica, os quatro personagens estão inscritas em um triângulo, enquanto que os dois homens formam um triângulo invertido como nas composições piramidais do renascimento.

Análise da obra:

Por causa das duas mulheres, uma nua e a outra vestida sensualmente com uma longa camisa molhada, Manet chamou sua pintura de forma descontraída de “La Partie carrée” (como havia feito Watteau, na sua obra com o mesmo tema, visto mais acima), que pode significar aqui nessa caso: Jogo sexual a quatro.

Uma forma debochada que Manet chamava sua obra junto aos amigos quando discutiam sobre a polêmica do quadro e a reação pervertida da sociedade burguesa da época que julgaram as duas mulheres como sendo prostitutas e a obra obscena.

A imagem da mulher sentada é uma colagem do rosto de Victorine Meurent (1844-1927), pintora e modelo preferida de Manet. Quanto que o corpo nu é de Suzanne Leenhoff (1829-1906), companheira do pintor e mais tarde, sua esposa chamada também Suzanne Manet.

Le Déjeuner sur l’herbe
Suzanne Leenhoff (1829-1906), modelo na obra de Manet, “Le Déjeuner sur l’herbe”.

Ela se destaca tanto pela sua brancura de pele, quanto pela intensidade de seu olhar ao nós fixar.

Posicionada nua, ao lado de dois homens vestidos com roupas contemporâneas, não parece estar constrangida ou envergonhada, ao contrário ela demonstra uma total confiança, liberdade e espontaneidade (talvez porque estava vestida quando foi retratada).

O homem sentado ao lado dela, que tem um olhar perdido no vazio é o escultor holandês, Ferdinand Leenhoff (1841-1914), irmão de Suzanne Leenhoff, amigo e futuro cunhado de Manet.

Le Déjeuner sur l’herbe
Ferdinand Leenhoff (1841-1914), Eugène Manet (1833-1892) e Alexandrine Zola (1839-1925).

O homem meio deitado sobre a grama é Eugène Manet (1833-1892), irmão mais novo de Édouard Manet. Quanto a mulher que se banha ao fundo que está fora de perspectiva é Alexandrine Méley (1839-1925), modelo bem conhecida dos pintores da época e futura esposa do escritor Émile Zola (1840-1902), chamada mais tarde de Alexandrine Zola. Sua atitude foi interpretada como de uma prostituta que lava seu corpo após o ato sexual.

Outra razão do escândalo foi também que interpretaram o cesto de piquenique tombado, como um símbolo de luxúria e de prazeres carnais.

Le Déjeuner sur l’herbe
Cesto de piquenique tombado: Símbolo de luxuria e prazeres carnais.

A natureza morta foi representada por uma cesta de piquenique tombada, com frutas de várias estações do ano; pêssegos, figos, cerejas, podem significar a perda da inocência. As conchas abertas das ostras esparramadas ao lado da cesta por serem afrodisíacas podem significar os prazeres eróticos.

O sapo (grenouille) era o apelido que os estudantes davam as prostitutas da época. E o pássaro, (um caboclinho frade), ao contrário da pomba sagrada tem um relação com o pecado e o erotismo, ambos que apesar de representarem o mundo moderno e contemporâneo, aqui foi visto como um atentado aos bons costumes da época.

Como mesmo disse Édouard Manet: “Il faut être de son temps et faire ce qu’on voit!”. Tradução:
É preciso você estar no seu próprio tempo e fazer o que você vê”.

Le Déjeuner sur l’herbe e suas reinterpretações.

Le Déjeuner sur l’herbe, de Édouard Manet marcou uma verdadeira revolução no mundo da pintura, de tal forma que vários pintores antigos e contemporâneos fizeram uma adaptação pessoal em suas carreiras.

O simples fato de ter sido copiada, transformada e reinterpretada por artistas das gerações seguintes, demonstra perfeitamente essa reviravolta na história da arte. Para muitos historiadores, a obra de Manet abriu uma porta importante para o nascimento da pintura moderna.

Reinterpretações da obra:

Claude Monet (1840-1926).

Numa demonstração do novo estilo que estava se iniciando, o Impressionismo, ao realizar seu imenso: “Déjeuner sur l’herbe” deu mais ênfase nos jogos de luz e sombra natural do que ao tema e seus significados.

Na verdade sua obra, serviu mais como uma homenagem a seu amigo Édouard Manet, lhe dando apoio as novidades que ele trouxe para pintura e repudiando as controversas negativas, sustentada pela crítica e a sociedade.

Le Déjeuner sur l’herbe
Uma das partes cortadas por Monet: “Le Déjeuner sur l’herbe” (1866). Museu d’Orsay.

A obra está atualmente incompleta, pois foi cortado em três pedaços pelo próprio Monet, por problemas de umidade. Duas das partes se encontram no Museu d’Orsay e a terceira está desaparecida.

Ainda hoje muitas pessoas confundem os dois artistas, Monet e Manet e vice-versa.

James Tissot (1836-1902).

La Petite carrée (1870), de James Tissot (1836-1902). Pintor retratista francês renomado na alta sociedade inglesa que ao contrário de seus colegas, suas obras foram regularmente aceitas nos Salões de Paris.

Le Déjeuner sur l’herbe
“La Petite carrée” (1870), de James Tissot (1836-1902). Galeria Nacional do Canadá, em Ottawa.

Todas consideradas aceitáveis pelo grande público e críticos de arte, mas seu estilo era diferente e uma novidade em relação as tradicionais pinturas acadêmicas do século XIX.

Paul Cézanne (1839-1906).

Le Déjeuner sur l’herbe (1876-1877), de Paul Cézanne (1836-1906) representa uma cena de recreação burguesa e bem mais aceitável que a obra “escandalosa” de Manet.

Le Déjeuner sur l’herbe
“Le Déjeuner sur l’herbe” (1876-1877), de P. Cézanne. Museu de l’Orangerie, em Paris.

O objetivo dele foi fazer uma demonstração do novo estilo de arte, conhecido como impressionismo, dando ênfase ao jogo de luz e sombra numa pintura feita diretamente ao ar livre, comparando com “Le déjeuner sur l’herbe”, de Manet, realizada em ateliê, com o uso da luz artificial.

Pablo Picasso (1881-1973).

Le Déjeuner sur l’herbe, d’après Manet (1961-1962) foi realizado por Pablo Picasso (1881-1973) quase um século depois que Manet apresentou sua obra no Salão dos Recusados.

Le Déjeuner sur l’herbe
“Le Déjeuner sur l’herbe d’après Manet” (1962), de P. Picasso (1881-1973). Museu d’Orsay.

O pintor espanhol fez uma revisão profunda e complexa do tema produzindo 26 telas (o Museu d’Orsay tem 16 versões diferentes), 6 gravuras em linóleo e 140 desenhos.

Alain Jacquet (1939-2008).

Le Déjeuner sur l’herbe (1964), do pintor francês, Alain Jacquet (1939-2008) é uma reinterpretação moderna para obra de Manet, utilizando a técnica da serigrafia para compor o seu “Almoço” (Déjeuner).

Le Déjeuner sur l’herbe
“Le déjeuner sur l’herbe “(1964), de Alain Jacquet (1939-2008). Centre Pompidou Paris.

Alain Jacquet, um dos percussores da Pop Art na França trabalhou o seu quadro, no estilo de uma
publicidade americana, questionando se sua produção mecânica de fotografias e serigrafias poderiam ser consideradas como obras artísticas.

Herman Braun-Vega (1923-2019).

Les invités sur l’herbe, d’après Velázquez, Manet et Picasso(1970), do pintor peruano Herman Braun- Vega (1923-2019) é uma das várias interpretações figurativas do Déjeuner sur l’herbe, de Manet.

Le Déjeuner sur l’herbe
“Les invités sur l’herbe, d’après Velázquez, Manet et Picasso” (1970),
de Herman Braun-Vega (1923-2019). Museu de Arte Moderna, de Paris (MAM).

Seward Johnson (1930-2020).

Déjeuner Déjà vu (1994), do americano Seward Johnson (1930-2020) é uma escultura em bronze pintada feita com muita precisão baseada na obra, Le Déjeuner sur l’herbe“, de Édouard Manet.

Le Déjeuner sur l’herbe
“Déjeuner Déjà vu”, escultura em bronze de Seward Johson (1930-2020). Foto: Paul VanDerWerf.

Instalada no Parque-Museu Grounds For Sculpture, em Hamilton, Nova Jersey (EUA), obra de Seward Johnson que explora as fronteiras entre realidade e representação, apresentada numa reprodução tridimensional em tamanho real da obra de Manet. O efeito foi potencializado pela instalação da escultura em meio a vegetação.

Francis Moreeuw (1949).

“Le Déjeuner sur l’herbe” (1987), revisitada pelo pintor francês contemporâneo, Francis Moreeuw (1949).

Le Déjeuner sur l’herbe
“Le Déjeuner sur l’herbe” (1987), de Francis Moreeuw (1949). Galeria Moreeuw.

Sharon Hodgson.

Picnic on the Grass (2007), da pintora canadense Sharon Hodgson.

Le Déjeuner sur l’herbe
“Picnic on the Grass” (2007), de Sharon Hodgson.

Rip Hopkins (1972).

Cyrille & le déjeuner sur l’herbe (2006). Em 2008, no Salão da Fotografia de Paris, o fotógrafo britânico Rip Hopkins apresentou sua interpretação da obra “Le Déjeuner sur l’herbe, de Manet.

Le Déjeuner sur l’herbe
“Cyrille & le déjeuner sur l’herbe”(2006). Foto: Hip Hopkins.

A imagem nasceu no final de 2006, por encomenda do Musée d’Orsay, em comemoração do 20º aniversário da instituição. Hopkins recebeu carta branca para fotografar funcionários do museu junto as obras expostas pelo museu.

Na frente da obra de Manet, Le Déjeuner sur l’herbe“, o agente de segurança Cyrille, se ofereceu em posar nu, para completar a cena rompendo com as barreiras morais e com os preconceitos antigos.

Pela ousadia a foto acabou sendo censurada pelo presidente do museu na época, alegando que não era relevante e de interesse para a exposição. Como Hopkins havia assinado um acordo, a foto ficou “congelada” e proibido de ser publicada em jornais, revistas, exposições…

Escândalo da fotografia de Hip Hopkins no jornal “Le Monde”.
Artigo de Claire Guillot, 16-17 novembre 2008.

Mas em 2008, (dois anos depois), com a autorização do agente de segurança, Cyrille (o homem da foto) e a mudança da presidência do Museu d’Orsay, a foto acabou sendo publicada pela fundação HSBC e o “escândalo” do homem nu saiu na mídia e viralizou nas redes sociais e no mundo.

Quer conhecer o Museu d’Orsay e outros locais de Paris comigo? Clique no botão abaixo para mais informações ou no botão do Whatsapp para um contato mais dinâmico. Até breve! Tom Pavesi!

Fontes:

  • Site do Museu d’Orsay.
  • Le Déjeuner sur l’herbe“, no site Wikipédia francês.
  • “Le Guide Musée d’Orsay”, de Caroline Mathieu (Ed. Flamarion).

3 Comentários


  1. Arrasou Tom! Pena eu ter demorado tanto para ler seu ótimo texto. Valeu

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  2. Texto suculento. Lembrei uma velha piadinha da Seleções [do Reader’s Digest] a respeito desse quadro, quando eu era garoto.
    No museu, um grupo de turistas [norte-americanos] contempla Le déjeuner sur l’herbe e um deles comenta:
    _Nos pic-nics, sempre alguém esquece alguma coisa em casa…

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