O caso dos venenos na corte de Luís XIV

O caso dos venenos na corte de Luís XIV

Tempo de leitura: 10 minutos

O caso dos venenos na corte de Luís XIV. A história real de um dos escândalos mais conhecidos da França, “L’affaire des poisons”. Uma série de crimes envolvendo envenenamentos ocorridos entre 1679 e 1682, durante o reinado de Luís XIV, e que abalaram Paris e a Corte.

Várias figuras proeminentes da aristocracia foram implicadas, e esses casos criaram um clima histérico de “caça às bruxas”.

O início de tudo.

Em 1670, Luís XIV (1638-1715) aos 32 anos foi surpreendido com uma trágica e brutal notícia que amante e cunhada, Henriqueta Ana de Inglaterra (1644-1670) da Inglaterra, 26 anos, morreu subitamente em poucas horas após ter tomado um copo de água com chicória.

O caso dos venenos na corte de Luís XIV
Henriqueta Ana de Inglaterra (ca. 1664), por Pierre Mignard (1612-1695).

Perturbado com esse acontecimento, e desconfiado que ela pudesse ter sido envenenada por algum inimigo contrário a uma aliança entre a França e a Inglaterra, ordenou ao seu principal homem de confiança, Gabriel Nicolas de la Reynie (1625-1709), 1° tenente da polícia de Paris, que investigasse com muita descrição quem poderia ser o criminoso.

O caso dos venenos na corte de Luís XIV
Gabriel Nicolas de La Reynie (1625-1709), por Nicolas Mignard (1606-1668).

Mortes estranhas.

Um ano depois, morrem misteriosamente Hugues de Lionne (1611-1671) ministro do Estado e das Relações Estrangeiras e Hardouim de Beaumont de Péréfixe (1606-1671), arcebispo de Paris e confessor de Luís XIV.

Nenhuma prova e nenhum suspeito até que em 1672, um oficial da cavalaria do Rei, Jean-Baptiste de Sainte-Croix é encontrado morto aparentemente de causas naturais. O policial, La Reynie e seu ajudante, François Desgrez fazem buscas na casa de Sainte-Croix e descobrem vários frascos com líquidos e produtos estranhos.

Após serem analisados por um apotecário especialista comprovou-se que estes frascos tinham uma alta concentração de arsênico, grãos de ópio, venenos de cobras e sapos, folhas de cicuta, ervas venenosas e outros derivados.

Os primeiros Acusados

Na casa de Sainte-Croix foram encontradas 39 cartas de amor escrita pela sua amante Marie-Madaleine d’Aubray, Marquesa de Brinvilliers (1630-1673) ronde ela relatava por escrito a participação dos dois, no assassinato por envenenamento em 1666, de seu pais Dreux d’Aubray, e de seus dois irmãos, para poder receber uma herança como única herdeira.

Também foi encontrado um reconhecimento de dívida de Sainte-Croix a Louis Reich de Pennautier, cobrador geral da igreja, grande amigo de Colbert, principal ministro de Luís XIV e suspeito de ter mandado envenenar o anterior secretário geral, e assim ocupar o cargo vago dele.

La Reynie concluiu que Pennautier contratou Sainte -Croix e a Marquesa de Brinvilliers para envenenarem o ex-agente e cobrador da igreja, e que depois do feito, ele contratou diretamente a marquesa para matar o amante, Sainte-Croix, que guardava muitas provas contra eles (queima de arquivos).

O crime seria perfeito se ela tivessem tido tempo para recuperarem as cartas, mas como La Reynie foi mais rápido, um mandato de prisão foi lançado contra os dois.

Pennautier conseguiu provar que Sainte-Croix lhe devia dinheiro e como nas cartas não se falava da morte do agente da igreja, não havia motivos para prendê-lo, então foi liberado.

Quanto a Marquesa de Brinvilliers, desapareceu da França.

Outras mortes.

Em 1673, morreu o conde de Soissons, tenente Geral do Estado, casado com Olympe Mancini, ex-amante de Luís XIV, e sobrinha do Cardeal Mazarino (1612-1661),1° ministro da França.

Olympe Mancini (século XVII), por Pierre Mignard (1612-1695).

Em 1676, La Reynie e Desgrez encontrram a Marquesa de Brinvilliers escondida em um convento em Liège, na Bélgica.

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Marie-Madeleine Anne Dreux d’Aubrey, Marquesa de Brinvilliers (1630-1676).

Depois de extraditada e torturada acabou confessando alguns crimes mas sem entregar a lista de seus ilustres clientes.

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Tortura da Marquesa de Brinvilliers (1630-1676). Gravura de F. Monchablon.

Morreu decapitada por uma espada na praça “de Grève”, atual Praça de l’Hotel-de-Ville, em Paris.

E Pennautier foi absolvido de todas as acusações.

La Voisin, a estrela dos venenos.

Em 1677, La Reynie e Deprez conseguiram prender em 1677, uma dezena de suspeitos na morte do Duque da Saboia, Carlos Emanuel II (1634-1675).

Todos foram submetidos a torturas, e entre eles, duas mulheres, Marie Bosse e Marie Vigoureux que de tanto sofrerem acabaram entregando uma lista com os principais nomes no comércio de venenos.

Mas foi somente em 1679 que prenderam a principal a especialista das artes ocultas, a estrela da magia negra de Paris, Catherine Deshayes (140-1680), apelidada, La Voisin.

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Catherine Deshayes ou La Voisin (1680). Gravura no “le Mercure galant”.

Convidada famosa e frequente nos salões da alta aristocracia parisiense, proprietária de uma verdadeira farmácia de poções mágicas e produtos misteriosos. Praticante confessa de 2.500 abortos, missas negras, cerimônias satânicas, orgias, feitiçarias e rituais com sacrifícios humanos.

Com ela uma verdadeira rede de agentes do mal foi desvendada; alquimistas, apotecários, bruxos, bruxas, padres de missas negras e charlatões de todas as espécies.

Clientes renomados de “La Voisin”:

O escândalo começou mesmo quando foram citados os nomes abaixo:

  • Olympe Mancini e Marie Anne Mancini, (sobrinhas do cardeal Mazarino, 1° ministro de Louis XIV).
  • Princesa D’Abert de Tingry, (dama do palácio da rainha Maria Teresa da Áustria, 1°esposa de Luís XIV).
  • Duquesas: D’Angoulême, de Bouillon, de Vitry, de Vivonne, de la Mothe, Madame d’Alluye, de Polignac.
  • Condessa du Roure.
  • Duques; de Luxemburgo, de Vendôme, de Brissac.
  • Marqueses: de Cessac, de Feuquières, de Termes, Mademoiselle des Oeillets.
  • Poeta Racine e muitos outros.

Uma lista demasiadamente importante que La Renyie foi obrigado a prevenir o rei.

“l’Affaire des Poisons” (O Caso dos Venenos).

Estranha época onde mulheres matavam seus maridos sonhando virem a serem amantes do rei, e os homens buscavam privilégios reais, sucessões, promoções, riquezas nos negócios, sorte nos jogos, vitórias nas guerras…

Em 7 de abril de 1679, Luís XIV, horrorizado com essas atrocidades no seu reinado ordenou a criação de uma comissão especial para julgar o Caso dos Venenos, ou l’Affaire des Poisons e condenação exemplares de todos os envolvidos na prática destes crimes.

Esta comissão ficou conhecida na história pelo nome, “La chambre Ardente”, (tribunal extraordinário para julgar crimes excepcionais).

“La chambre ardente” (A câmara ardente). Imagem internet.

Como nas antigas instituições medievais esse tribunal era reunido numa pequena sala com paredes escuras e iluminado somente por tochas. Composta por 12 magistrados da alta corte dois médicos, dois apotecários e pelo investigador principal de todos os processos, La Renyie.

O terrível fim da “La Voisin”. 

Em 1680, La Voisin foi condenada de maneira bastante bárbara, mãos perfuradas e cortadas e queimada viva na praça de Greve, em Paris.

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Execução de “La Voisin”. Praça de Greve, em Paris. Gravura de F. Monchablon.

O escândalo fica imensamente grave quando Marie-Marguerite Monvoisin contou a polícia, após a morte de sua mãe La Voisin, que forneciam poções mágicas para Mademoiselle des Œillets, dama de companhia de Madame de Montespan (1640-1704), amante preferida do rei Luís XIV.

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Madame de Montespan (ca. 1680), por Pierre Mignard (1612-1695).

Uma preferida do rei envolvida.

Segundo Marie-Marguerite Monvoisin, a marquesa de Montespan contratou La Voisin, via sua dama de companhia Mademoiselle des Œillets, para ajuda-la a resgatar o amor do rei, que se perdia a cada momento com o passar dos anos. Tentou de tudo; poções mágicas, missas negras, feitiçarias e por final a morte do próprio rei Luís XIV e também da sua última amante, a duquesa de Fontanges (1661-1681), que por acaso morreu de forma estranha em 1681.

Valor cobrado pela La Voisin e seus cúmplices para o assassinato, 300.000 livres. Uma quantia muito alta para época.

Marie-Marguerite Monvoisin (23 anos) foi condenada à prisão perpétua com vários de seus camaradas, sendo desconhecida a data de sua morte (certamente após 1681).

E tudo terminou em “pizza” e no silêncio.

O rei proibiu o policial La Renyie de continuar as investigações que envolviam membros da corte, em particular contra sua ex-preferida, Madame de Montespan, mãe de seus 4 filhos reconhecidos e legitimados.

Madame de Montespan apesar de estar em desgraça dos favores do rei foi absolvida por falta de provas.

Em julho de 1682, sete meses após a execução do último condenado a forca, o Tribunal dos venenosé encerrado e “A câmara ardente” (La chambre ardente), fechada.

Todos os presos que sabiam do envolvimento de Madame Montespan no plano para matar o rei, como os abades Lesage e Guibourg, Vanens, Le Pelletier, Delaporte e prisioneiros que dividiram cela com essas pessoas são liberadas de julgamento.

Por lei, não havendo julgamento por um tribunal, o rei não pode autorizar uma condenação a pena de morte.

Portanto, todos envolvidos serão enviados a prisões (a vida) em províncias bem distantes da corte de Versalhes.

Balanço das condenações:

Durante os três anos da existência deste tribunal, aconteceram 210 audiências, 319 decretos de prisão, 194 pessoas liberadas sem julgamento, 104 pessoas julgadas onde 36 foram condenados a morte, 34 foram expulsos do país, 30 foram absolvidos, 1 multado e 5 pessoas enviadas para galeras.

Triste fim para Madame Montespan

O caso dos venenos na corte de Luís XIV
“Inconnue en Iris” (talvez Madame de Montespan), por Louis Ferdinand Elle the Younger (1648-1717).

Madame Montespan em plena desgraça ainda viu o rei se casar secretamente em 1683, com sua amiga e governanta dos seus filhos, Françoise d’Aubigné, a Madame de Maintenon (1635-1719).

Saiu de Versalhes somente em 1691 para morar em Paris até morrer em 1707. Todos os documentos que a incriminavam foram queimados pelo próprio Luís XIV, em 1709.

E como diriam no Brasil, o caso dela terminou em “Pizza“!

Brindar desejando Saúde!

Por causa desta história quando o champanhe virou moda na corte de Luís XV (1715-1774), bisneto de Luís XIV, virou hábito olhar nos olhos da pessoa que serviu a taça e trocar os líquidos entre eles e brindar dizendo a famosa frase: Santé! (Saúde!).

Essa desconfiança que poderia haver veneno na bebida somente terminará no século 19.

E tim-tim!

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Fontes:

  • L’affaire des Poisons. Crimes et sorcellerie au temps du Roi-Soleil (2010), de Jean-Christian Petitfils, (Perrin).
  • Louis XIV : Homme et Roi (2014), de Thierry Sarmant, (Tallandier).
  • Wikipédia França.

7 Comentários


  1. Muito bom artigo Tom. Sabia parte da história, mas não imaginava a sua dimensão!
    E quantos devem ter morrido em vão e por engano.
    Uma verdadeira rede, máfia do veneno.
    Muito obrigada.

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  2. Parabens Tom , pela aula de historia. Li pela segunda vez esse artigo pois estou assistindo a serie Versalles e me esclareceu bastante. Tambem sobre a maldiçao da sexta feira 13, acabei de ler e mais uma vez , obrigada pelos artigos . Todos muito bons.Adoro historia.

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  3. Ótimo artigo. Imagino tudo o que teria acontecido e jamais foi divulgado…. Obrigado Tom, pela aula de história!

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