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O homem da Máscara de ferro. Várias hipóteses foram escritas, aumentadas, inventadas, filmadas, mas até hoje nenhuma respondeu a verdadeira questão: Quem foi ele?
Este artigo propõe alguns nomes e conta o possível percurso por prisões pela qual esteve presente até sua morte na Bastilha, em Paris.
Sentença de Fouquet
Luís XIV, aos 23 anos após receber de seu ministro Jean-Baptiste Colbert, um relatório revelando que o seu homem de confiança Nicolas Fouquet, superintendente das Finanças desapareceu com 50% dos impostos arrecadados em 1659, construiu o Castelo Vaux-le-Vicomte e que estaria mais rico que ele próprio. Ordenou imediatamente sua prisão para ser investigado como mais profundidade.
Charles de Batz de Castelmore, o mosqueteiro chefe da guarda real do rei conhecido como d’Artagnan, em 5 de setembro de 1661 foi incumbido dessa missão em prendê-lo e vigiá-lo até o julgamento final.
Nicolas Fouquet passou por várias prisões francesas como: Limoges, Castelo de Angers, Castelo de Amboise, Castelo de Vincennes, Bastilha. Sempre que transferido era colocado no seu rosto uma máscara de veludo (e não ferro, que só apareceria mais tarde) para não ser identificado durante os percursos. Mas estando na cela, a máscara era retirada.
Em 21 de dezembro de 1664, Fouquet conseguiu após uma brilhante defesa dos seus advogados, num processo que durou três anos, ser absolvido parcialmente pela justiça (dos homens), recebendo uma leve pena como; confisco dos bens e banimento da corte, num raio de 100 km do centro de Versalhes.
Mas Luís XIV, único representante divino na terra e que tinha o direito de governar com os mesmos poderes de de justiça de Deus, esperava algo mais severo como por exemplo: uma prisão perpétua ou uma condenação à morte.
Prisão Fortaleza Pinerolo
Inconformado com a sentença resolveu usando pela primeira vez durante em seu reinado apelar pela “Justiça Divina” anulando a sentença dos homens e condenando Fouquet a passar o resto da sua vida em uma prisão e fortaleza no Pinerolo (“Pignerol”, em francês), antiga possessão francesa localizado na atual província italiana do Piemonte, à 50 km de Turim.
D’Artagnan chefe da guarda, a pedido do rei indicou um outro mosqueteiro, conhecido pelo nome de Saint-Mars (Bénigne Dauvergne de Saint-Mars), para levar Fouquet nesta viagem da Bastilha em Paris até a prisão do Pinerolo, nos Alpes.
Em 1665, pouco tempo depois de sua chegada, Saint-Mars por ordens de Louis XIV tornou-se o governador da prisão-fortaleza.
Chegada do prisioneiro misterioso
A história do homem da máscara de ferro começou em 24 de agosto de 1669, com a chegada nessa mesma prisão de um misterioso prisioneiro. O governador Saint-Mars que recebeu ordens rigorosas, diretamente do marquês de Louvois, ministro de Luís XIV para serem seguidas obedecidas e não questionadas.
São elas:
- É de extrema importância que o prisioneiro seja guardado com a maior segurança possível, que ele não possa de forma alguma passar notícias da sua localização e do seu dia-a-dia na prisão.
- Nada de cartas, mensagens orais ou qualquer tipo de contato com a vida externa da prisão, nem com outros prisioneiros, nem com guardas e carcereiros.
- Que a cela onde que estaria preso estivesse dentro de outra cela, fechada por uma porta de maneira que nenhum guarda pudesse escutá-lo ou vê-lo.
- Saint-Mars deve levar pessoalmente uma única refeição, o suficiente para o dia todo.
- Saint-Mars não deve jamais discutir com o prisioneiro e nem atender suas queixas.
- Saint-Mars deverá ameaçá-lo de morte caso queira falar de assuntos que não sejam necessidades pessoais como: sede, dores ou frio.
- Aquele que revelar a identidade do prisioneiro, mesmo depois que ele morrer será enforcado.
Nova prisão Exilles
Em 1680, Nicolas Fouquet morre “oficialmente” na prisão aos 65 anos de um AVC e um ano depois, estranhamente Saint-Mars é transferido para ser o governador de outra prisão-fortaleza, próximo também a Turim, chamada Exilles.
Em uma carruagem especialmente preparada para viagem, com portas e janelas lacradas e pouquíssima ventilação viajaram secretamente também dois prisioneiros altamente escoltados por guardas armados sobe vigilância do governador e protetor de Saint-Mars.
Surgem muitas dúvidas e desconfianças de que Fouquet não havia morrido no Pinerolo e sim transferido secretamente juntamente com o outro desconhecido para esta nova prisão no Exilles.
Segredos de Fouquet, perigo para o rei e o Papa
Pouco antes da transferência surgiu uma teoria na qual pensavam que Fouquet além de ter desviado fundos da corte também guardava por membros da sua família um imenso tesouro e documentos que poderia comprometer o poder do Papa e do Vaticano.
Para eliminar qualquer possibilidade de contato com outros prisioneiros, Luís XIV por segurança ordenou que fosse anunciado sua falsa morte e transferido em segredo para a prisão Exilles desconhecida e distante dos olhos e ouvidos da corte esperando assim que o tesouro de Fouquet fosse encontrado ou revelado (por tortura?) antes dos seus inimigos.
Documentos esses que estando em sua posse daria muito poder para controlar a igreja e a todos que se opusessem a sua política centralizadora e absoluta.
Um ilustre prisioneiro na Ilha Sainte-Marguerite
Em 1687, um dos dois prisioneiros transferido para o Exilles morre de frio e maus-tratos. E novamente Saint-Mars é transferido e promovido a Capitão-Governador de duas ilhas Lérins, a ilha Sainte-Marguerite ao norte, e a ilha Saint-Honorat ao sul. Localizadas no sul da França, na “Côte d’Azur” (Costa Azul), em frente à cidade de Cannes.
Seguindo as ordens do ministro Louvois, Saint-Mars levou o outro prisioneiro sobrevivente para a ilha maior, a de Sainte-Marguerite. Logo após ter desembarcado na ilha, o homem foi transportado em uma cadeira (reservada a nobreza), hermeticamente fechada por tecidos escuros carregada por quatro homens até um cela especial com vista para o mar.
Conforme as últimas exigências de Luís XIV, o governador Saint-Mars, os guardas e os sentinelas deveriam tratar do prisioneiro com o máximo respeito e dignidade. Ficou permitido que o prisioneiro saísse para caminhadas pelo forte, mas sempre com o rosto coberto por uma máscara de ferro ou de um tecido aveludado escuro para que jamais fosse reconhecido. E a pena para quem desobedecer e o identificasse ainda era a forca.
Em 1691, com a morte do ministro Louvois, seu filho Barbezieux assume o comando sobre o destino do agora famoso prisioneiro “o homem da máscara de ferro” como ficou conhecido na prisão Sainte-Marguerite.
A última prisão do homem da Máscara de ferro
Barbezieux, o novo responsável do desconhecido prisioneiro seguindo agora ordens diretas de Luís XIV enviou a seguinte carta para Saint-Mars:
O rei Luís XIV, pede para que você se mude da ilha Sainte-Marguerite para prisão da Bastilha, em Paris com seu velho e desconhecido famoso prisioneiro da máscara de ferro tomando todas as precauções para que não seja visto nem reconhecido por ninguém (em francês, “ni vu, ni connu”) e vigiado nas mesmas condições da precedente viagem.
Portanto, em 29 de setembro de 1698, os jornais anunciam a chegada do novo governador da Bastilha Saint-Mars, mas nenhum comentário sobre o prisioneiro mascarado.
Em 19 de novembro de 1703, às 22hs, o homem da Máscara de ferro que esteve preso por mais 34 anos morre de um enfarte na saída da missa da capela da Bastilha.
No registro da prisão da Bastilha encontrado pelos revolucionários em 14 de julho de 1789 (na tomada da Bastilha) relata que o preso 64389000 (o homem da máscara de ferro) foi enterrado no cemitério Saint-Paul (destruída em 1796 para construção de edifícios, no atual Marais em Paris), com o nome falso Marchiali ou Matthioli ou Marchioly, aos 45 anos.
Inventado provavelmente por Barbezieux, pois o verdadeiro conde “Marchialy” já havia falecido na prisão da ilha de Sainte-Marguerite, em 1696 aos 54 anos. No túmulo de Saint-Paul quando foi exumado anos depois, estava vazio.
Saint-Mars morreu cinco anos depois sem deixar nenhuma pista sobre a verdadeira identidade do seu prisioneiro guardado por tanto anos a sete chaves.
A história deste homem identificado mais tarde sobre vários outros nomes é um dos mistérios mais intrigantes da história da França.
Os únicos elementos concretos que sabemos sobre este personagem era que ele foi o símbolo das decisões arbitrarias do poder real da época representado por uma monarquia absoluta, autoritária que julgava em nome de Deus de quem deveria viver sofrer ou morrer.
Se ele detinha realmente segredos pode se imaginar que era alguém muito importante e bem familiar ao rei e sua família. Pois a partir de um certo momento, foi bem tratado e protegido.
Possíveis candidatos:
Analisando as correspondências enviadas de Louvois e Barbezieux, para Saint-Mars, e a lista dos prisioneiros que estiverem sobe sua guarda no Pinerolo, sete candidatos possíveis poderiam ter sido “o Homem da Máscara de ferro“:
1° – NICOLAS FOUQUET apesar de ter morrido “oficialmente”, em 23 de março de 1680, aos 65 anos pode ter sido transferido secretamente para prisão de Exilles e ter morrido “oficialmente” pela segunda vez, em 1687 ou ter sido transferido secretamente do Exilles para Ilha de Sainte-Marguerite e graças aos cuidados e atenções ordenadas por Luís XIV em relação ao prisioneiro VIP, pode ter morrido em Paris, na prisão da Bastilha, em 1703. Neste caso estaria com 89 anos e 40 anos de prisão. Pouco provável.
2° – O conde de LAUZUN, marechal do rei preso no Pinerolo em 1671, condenado por se casar secretamente com a prima-irmã de Luís XIV ou por ter ofendido Madame de Montespan, amante predileta do rei. LAUZUN para ter sua pena reduzida pode ter sido usado como agente duplo do rei para descobrir os segredos que guardavam FOUQUET. Querendo sensibilizar e não ser reconhecido por FOUQUET e outros prisioneiros pode ter usado uma máscara de ferro quando se encontravam secretamente nas galerias subterrâneas da prisão do Pinerolo. Um ano depois da morte “oficial” – ou transferência – de FOUQUET, sem trazer novidades foi liberado em 1681. Morreu em 1723, aos 90 anos.
3° – Um monge desconhecido, preso no Pinerolo por abuso de confiança, roubo e golpe contra a coroa, morreu em 1694.
4° – LA RIVIÈRE, empregado de quarto de Nicolas Fouquet, morreu enforcado em 1687, na prisão do Exilles.
5° – DUBREUIL, oficial acusado de espionagem para Espanha, liberado em 1684.
6° – Conde Ercole MATTIOLI preso no Pinerolo, em 1679, por ordem pessoal do rei Luís XIV por ter revelado segredos de estado a inimigos da França foi transferido em 1694 direto para prisão da Ilha de Saint-Marguerite, onde faleceu alguns meses depois, aos 54 anos. Mas segundo Barbezieux, o mesmo também morreu na prisão Bastilha e sepultado em 1703, aos 45 anos, no cemitério Saint-Paul. Há algo muito estranho nesta versão “oficial” encontrado nos documentos nessa prisão em Paris.
7° – Segundo a tese de Voltaire, o desconhecido seria um irmão gêmeo de Luís XIV que sua mãe Ana da Áustria juntamente com o seu ministro-cardeal Mazarino criaram o bebê, em algum lugar secreto. Mas com a morte, do cardeal em 1661, Luís XIV ao saber da existência deste irmão tomou logo as “providências necessárias” para esconder do público essa informação que poderia mudar o rumo da historia da França enviando-o secretamente para a prisão no Pinerolo. Tese pouco provável, pois o nascimento de Luís XIV tão aguardado foi acompanhado por uma centenas de pessoas que entraram no quarto para assistirem e se certificarem que era mesmo um filho da rainha Ana e de Luís XIII. Quanto a Voltaire é possível que inventou essa história para acabar com a tirania do rei Luis XIV para questionar a legitimidade da dinastia dos Burbons.
8° – É o mais provável, pois segundo alguns historiadores, Eustache DAUGER DE CAVOYE, filho de François DAUGER, possível amante da rainha Ana da Áustria, esposa do rei Luís XIII. Nasceu em 30 de agosto de 1637, dois anos antes que Luís XIV, e diziam que eram muito parecidos. Criado com um meio irmão por uma dama de honra da rainha, Marie de Lort de Sérignan obrigada a se casar com François DAUGER para guardar as aparências. As razões na qual levou Luís XIV prendê-lo mais tarde são desconhecidas. Uma das teorias sobre a prisão de Eustache DAUGER era que sua semelhança poderia colocar em dúvida de quem ele era mesmo filho de François DAUGER ou Luís XIII ? E toda sua legitimidade como rei, se perderia.
A solução encontrada pelo rei foi mandar prender seu “meio-irmão” Eustache DAUGER em 1669, antes que o escândalo fosse de conhecimento público. Preso sem julgamento pelas autoridades desapareceu sem deixar traços. Se fosse o homem que morreu na Bastilha, estaria com 66 anos, em 1703. Possível.
Muitas hipóteses e nenhum resultado
Várias outras hipóteses foram escritas, aumentadas, inventadas, filmadas, mas até hoje nenhuma respondeu a verdadeira questão: Quem foi realmente o homem da Máscara de ferro ?
E como bem escreveu Victor Hugo:
“Un prisonnier dont nul ne sait le nom, dont nul n’a vu le front, un mystère vivant, ombre, énigme, problème.”
“Um prisioneiro onde ninguém sabe o nome, onde ninguém viu seu rosto, um mistério vivo, sombrio, enigma, problema”.
Por Tom Pavesi.
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Fontes:
– “Fouquet”, por Jean-Christian Petitfils (2005).
– “Masque de fer entre histoire et légende”, por Jean-Christian Petitfils (2003).
– “Le Masque de fer“, por Claude Dabos.
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Bem interessante.. e comprova que a corrupção sempre existiu e que o ser humano nada aprendeu com a evolução da sociedade..na verdade.. involuiu.
Grata pelas aulas da nossa eterna França.
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Como sempre , você nos surpreende com essas belas histórias . Fico muito grata e desejo que continue nos brincando com registros tão importantes . Um abraço.
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Obrigado Liamar. Tenho muitas outras histórias ainda para escrever. Pode aguardar! Abs.
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TOM, você é realmente um estudioso da historia da França. Agora a revolução Francesa bagunçou com todos os registros referente a esse período. Muito se perdeu…foi um vandalismo contra a arte, historia, etc… Acho que você trocou no inicio do seu estudo o Rei…Não foi LUIS XVI. Abraço Luiz Gonzaga.
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Oi Lula,
Correção feita. Obrigado por me comunicar.
O rei, na época do homem da máscara de ferro, com certeza foi Luís XIV que morreu em 1715, e o misterioso personagem em 1703.
Agora, Luís XVI sim foi o rei da época da Revolução francesa, onde morreu guilhotinado, em 1793, ou seja 90 anos depois do nosso enigmático homem mascarado.
Abraços!
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Que delicia reler o assunto, Tom ; fez-me lembrar da adolescência, quando lia Alexandre Dumas . Obrigada!
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Realmente esse assunto ainda pode dar muitos filmes e livros.
Legal que tenha gostado me dá força para continuar a escrever.
Obrigado por deixar seu comentário!
Abs.