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Memorial dos Mártires da Deportação em Paris. Em 1953, a Associação dos Deportados da França, conhecido como “Réseau du Souvenir” receberam da Câmara Municipal de Paris, uma aérea localizada, na ponta leste da Ilha de la Cité, atrás da Catedral de Notre-Dame para ser construído um monumento destinado a perpetuar a memória de duzentos mil prisioneiros franceses deportados para os campos nazistas.
A equipe escolhida responsável pelo projeto foi a do escultor não muito conhecido, Raymond Veysset (1913-1967) e do arquiteto Georges-Henri Pingusson (1894-1978), uma das figuras mais originais do movimento moderno na França.
Depois de 4 anos de discussões, o Comité da Associação dos Deportados, não chegaram a um consenso sobre o local exato da implantação da escultura no terreno e do estilo da obra, figurativo ou abstrato. Em 1957, o escultor Raymond Veysset, cansado e desmotivado abandonou o projeto.
O Comité assim mesmo ainda procurou outros escultores para substituí-lo como, Henri Navarre e Roger Desserprit mas de novo recomeçaram as discussões sem fim, pois as propostas apresentadas eram ainda muito figurativas, e nenhum deles conseguia representar intensamente o sofrimento, a dor, a separação, e a morte nos campos e crematórios nazistas.
Chegaram na conclusão que a experiência da deportação era impossível ser simbolizada através de uma escultura/monumento, e que nem deveria ser apoiada pela força do projeto arquitetônico, mas por meios construtivos do projeto é que se deveria contar a tragédia inqualificável da deportação.
Análise da obra:
Georges-Henri Pingusson desenhou um edifício triangular, invisível a partir do exterior, vinculado com a ideia de um percurso com três etapas sucessivas:
Fase de silêncio: O visitante deve primeiro atravessar a pequena praça “Square Ilê-de-France”, para ser usado como transição para o monumento real. Este encontra-se escondido para quem chega pela praça e pelas paredes da ponta da ilha quase invisível a partir do exterior.
Fase de cenário: O visitante, entra escolhendo uma das duas escadas, um descida íngreme estreita cercada por paredes ásperas. Chegando em uma pátio triangular, cercado por paredes altas, brancas e cegas, de forma a enxergar um pouco do céu.
Uma única abertura para o exterior bem baixa podemos ver o rio Sena. Uma abertura barrada pelo único elemento escultural projetada por Pingusson, barras metálicas pretas, pontiagudas, agressivas e afiadas para separar aquele que é prisioneiro, do homem livre.
No muro entre as duas escadas emergem dois blocos enormes, dois monólitos que deixam uma passagem bem escura, subterrâneo, que é a entrada para cripta do memorial, ultima etapa do percurso, o limite entre a vida, fora do monumento e morte, dentro.
Tudo aqui sugere prisão, opressão, fuga impossível. A obra é um rompimento com o mundo dos vivos, só restando dois elementos intangíveis e etenos: a água e o céu.
Fase da presença viva.
O visitante, então, entra no verdadeiro “Santuário dos mártires”, a cripta. Um espaço silencioso, fechado na penumbra para dar uma sensação de massa, de peso, sufocação, convidando o visitante ao recolhimento, e a reflexão.
Logo após chega-se a uma larga sala hexagonal cercada por três galerias, a principal e mais extensa, infinita, as paredes estão cobertas por duzentos mil pontas de hastes luminosos representando cada um dos deportados que morreram nos campos nazistas, juntamente com um túmulo do deportado desconhecido.
As outras duas galerias laterais encontramos no final duas celas vazias. Em uma delas, a parede foi perfurada com pequenas urnas triangulares, contendo a terra de quinze campos de concentração e cinzas dos mortos, em crematórios nazistas.
Vemos também, inscrições com letras cuneiformes, vermelho, cor de sangue, nomes dos campos de concentração, e trechos de poemas de Robert Desnos (1900-1945), Paul Eluard (1895-1952), Louis Aragon (1897-1982), Jean-Paul Sartre (1905-1980) e Vercors (1902-1991).
Um drama ambientado no espaço.
Na ausência de qualquer declaração explícita, Pingusson tentou evocar o sofrimento daqueles que foram deportados da França entre 1941 e 1944. Tudo aqui tem a sensação no primeiro sentido, o longo calvário , a vontade do extermínio e degradação.
O visitante é convidado a uma experiência física, espiritual, sensível e metafísica construída em torno de uma acumulação de tensões fenomenais.
Uma descida ao silêncio e a escuridão bem notadas pela rigidez das escadas, a rugosidade das paredes, o piso irregular, a massa esmagadora dos muros, a agressividade da grade afiada preta, a compressão da entrada para a cripta, o violento contraste de volumes, cheios, vazios, jogos de luzes entre o claro, escuro e sombras, texturas combinadas para produzir um aperto profundo e implacável.
A referência aos triângulos como a marca dos deportados, a sensação de asfixia amplificado pelo total falta de perspectiva.
O visitante neste percurso descrito por Pingusson pode assim sentir o memorial na sua totalidade e compreender a razão da sua existência, contar e guardar na memória a história de um drama inimaginável sofrido pelos deportados.
Dia Nacional em Memória dos Mártires e Heróis da Deportação.
Georges-Henri Pingusson inventou uma poderosa arquitetura, com uma plasticidade forte, enterrada e invisível, construída em torno do vazio e do silêncio. O silêncio na cripta é ocupada pela memória dos mortos seja nas terras recuperadas nos diferentes campos ou nas cinzas dos deportados. Ele se manifesta também nas duzentas mil haste de vidro. Estes sinais e vestígios atestam o drama indescritível dos mártires e seu desaparecimento.
O memorial foi inaugurado em 12 de abril de 19620, pelo General Charles de Gaulle (1890-1970). Em 1975, Pingusson fez ainda uma última interversão nas salas vazias acima da cripta, apresentando de uma forma pedagógica, a deportação, com muitos documentos e fotografias reforçando os crimes cometidos pelos nazistas. A prova irrefutável que faltava da tragédia. O monumento apenas evoca, as fotografia e os documentos provão a existência.
Em fevereiro de 1964, Associação dos antigos deportados da França doou o memorial a nação. Em 1993 foi classificado monumento histórico.
Hoje é sempre comemorado, no último domingo de abril, o Dia Nacional em Memória dos Mártires e Heróis da Deportação. Pela memória que ele transmite e os eventos que ele comemora, o Memorial é um lugar sensível sobe alta vigilância.
Vídeo para você penetrar nesse mundo de diversos sentimentos:
Vídeo apresentado e narrado pela Arquiteta e Urbanista, Camila Coutinho brasileira formada em Paris. Produzido por André Stuckert, diretor do antigo Programa CASADESIGN, para de televisão brasileira, no Rio Grande do Norte.
Gostaria de conhecer o Memorial dos Mártires da Deportação e outras lugares em Paris, comigo? Clique no botão abaixo para mais informações ou no botão do Whatsapp para um contato mais dinâmico. Até breve! Tom Pavesi!
Foto capa: Facebook do “Mémorial des martyrs de la Déportation”.
Fontes:
- “Corps et Sculture Commemorative au XXe siècle”, de Georges-Henri Pingusson: Texto traduzido de forma livre e resumida por Tom Pavesi.
- “Mémorial des Martyrs de la Déportation“, no site Wikipédia França.
- “Georges-Henri Pingusson. Architecte (1894-1978)“, de Simon Texier, Paris (Ed. Verdier 2006).
- “Une architecture repliée sur elle-même dans la puissance de la terre“, de Georges-Henri Pingusson, no “Journal d’architectures”, n° 37, (automne 1995).
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Linda matéria, realmente Paris tem muito pra se ver.
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Obrigado André mas foi graças a seu talento como realizador que pude fazer este artigo. Em breve vou publicar outros incríveis que fizeste sobre Paris . Valeu !
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Parabéns pela bela história. Estarei lá em breve (set/2024).