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O Homem Vermelho do Palácio das Tulherias durante alguns séculos foi marcado por uma misteriosa lenda que assombrou os espíritos e comportamentos de seus ilustres e soberanos moradores. Reis, rainhas, e imperadores fizeram de tudo para não encontrar esse famoso fantasma ensanguentado que anunciava com morte súbita ou trágica para quem o avistasse.
Palácio das Tulherias.
Teve início em 1564, depois da morte trágica e acidental do rei Henrique II (1519-1559), quando Catarina de Médici (1519-1589), viúva e mãe-regente do novo rei da França, Carlos IX (1550-1574) ordenou ao seu arquiteto Philibert Delorme (1514-1570) a construção de um novo palácio.
Foi escolhido um vasta área, próximo ao Palácio Real do Louvre, ocupado por pequenas casas de comerciantes e incorporações como açougueiros, ferreiros, marceneiros, prostíbulos (os famosos bordéis, a borda do sena)… E principalmente no local onde se encontrava fabricas de telhas, (“tuiles”, em francês) e como foi chamado posteriormente: Palácio da Tulherias ou “Palais des Tuileries“.
Catarina de Médici (1519-1589) adepta a ritos secretos, magia negra, conhecida por estar sempre acompanhada de uma corte de magos, videntes, astrólogos, e apotecários fabricantes de venenos… Era uma mulher de muitas ambições, perigosa e que fazia medo a quem se opunha aos seus projetos ou atrapalhasse sua sede de poder e conquistas junto aos seus filhos.
Muitos comerciantes foram ameaçados para abandonarem seus comércios e suas casas deixando assim área livre e desimpedida para construção desse projeto particular.
A rebelião do açougueiro.
Jean l’ecorcheur, (João, o estripador de animais) era um açougueiro bem conhecido da corte, pois era o fornecedor habitual de tripas e outros órgãos de animas fundamentais para realização dos trabalhos de magia encomendados pela rainha-mãe Catarina.
Contrariado pela injustiça de não haver uma indenização para deixar o seu açougue conseguiu mobilizar uma parte dos comerciantes para se oporem as ordens da Catarina de Médici, considerada agora por eles como traidora do trabalhador e do povo francês.
Jean l’ecorcheur sem medo da repercussão por essa rebelião popular continuou reclamando uma indenização justa para todos, e guardando para si, sua única moeda de troca, os segredos íntimos e as práticas ocultas que Catarina praticava junto a sua corte de magos.
Queima de arquivo chamado Jean.
Catarina vendo que Jean sabia demais e como era de seu hábito resolveu logo eliminá-lo acabando de uma vez por todas com essa revolta e o líder em questão.
Ordenou a seu homem de confiança e carrasco profissional Neuville de fazer o trabalho sujo. O carrasco depois de dar várias punhaladas, ainda escutou Jean l’ecorcheur, todo ensanguentado proferir a seguinte ameaça:
“Soyez maudits, toi et tes maîtres! Je reviendrai!” .
“Maldito seja, você e teus mestres! Eu voltarei!”.
O fantasma ensanguentado.
Neuville logo após cumprir sua missão voltando para sua casa por ruas sombrias e desertas de repente sente a presença que alguém está lhe seguindo. Olhou para traz e tomou grande susto quando viu “Jean l’ecorcheur” todo ensanguentado olhando fixamente para ele. Pegou sua espada e partiu para o ataque, mais sua lâmina acertou somente o vento.
Desnorteado, Neuville resolveu voltar para a cabana onde havia realizado o crime para ter certeza que o havia matado. Mas para sua surpresa e desespero, o corpo de Jean havia desaparecido.
Neuville correu relatar o ocorrido para Catarina de Médici sobre a perseguição, o sumiço e principalmente a maldição rogada por Jean na hora da morte. Como Catarina falava para todos que era protegida por poderes sobrenaturais que a deixava indestrutível a qualquer maldição fez pouco caso dos relatos e da história do fantasma ensanguentado desaparecido. Deu alguns dias de descanso para Neuville se recuperar do choque emocional.
Mas as férias forçadas não deram certo, pois Neuville continuava com a nítida impressão que estava sempre sendo perseguido por um Homem Vermelho e por todos locais em que se encontrava. Paranoico e louco preferiu o suicídio.
Profecia de Ruggiere.
Algum tempo mais tarde, Cosme Ruggiere (?-1615), astrólogo pessoal de Catarina veio encontrá-la para contar um terrível sonho onde um fantasma todo ensanguentado proferia a morte da rainha.
Deu ainda detalhes que ela morreria ao lado de Saint-Germain. Depois disse ainda que os futuros moradores soberanos, (reis, rainhas, imperadores) do Palácio das Tulherias morreriam tragicamente e que o Homem Vermelho (“l’Homme Rouge”) desapareceria quando o palácio pegasse fogo.
Catarina de Médici aterrorizada com o anúncio, nunca mais entrou na igreja “Saint-Germain-de-Auxerrois” que que se encontrava em frente ao Palácio do Louvre e próxima ao Palácio das Tulherias recém-construído. E também nunca mais pisou no Castelo de Saint-Germain.
Saint-Germain e Catarina de Médici.
Catarina de Médici, em 1589, quando encontrava-se na sala principal do Castelo de Blois, no Vale do Loire, após ter visto o fantasma do Homem Vermelho no salão principal passou muito mal, ficando atordoada e perdida.
A tomar consciência do que viu saiu gritando desesperada para que alguém viesse socorrê-la… Mas foi em vão, pois não havia nenhum guarda presente por ali, a não ser um padre de nome Laurent de Saint-Germain.
A leitado e medicada com calmantes, quando soube o nome do padre começou a chorar, já pedindo a extrema-unção.
E a profecia se cumpriu quando Catarina de Médici morreu junto a Saint-Germain.
Maria Antonieta viu e ficou mais branca do que já era.
Em 1789, Luís XVI (1774-1793) e família obrigados abandonarem a força o Palácio de Versalhes vieram morar no palácio das Tulherias. Madame Campan, leitora oficial da rainha Maria Antonieta deixou-a sozinha alguns minutos no quarto, e ao retornar a rainha estava toda branca empalecida e muito assustada.
Maria Antonieta ainda tremulando de medo contou a sua amiga ter visto um fantasma todo ensanguentado olhando fixo para ela. Esse acontecimento foi alguns dias antes da frustrada fuga de Paris acabando na guilhotina em 16 de outubro 1793. Mais uma profecia realizada.
Napoleão também viu.
Em 1815, o Imperador Napoleão Bonaparte I (1804-1814/1815) sentado no seu trono favorito, no “Cabinet de Travail” (sala de trabalho) do Palácio das Tulherias observou uma neblina se espalhar por toda a sala. No meio dela saiu o famoso Homem Vermelho anunciando a derrota de sua armada na guerra que estava prestes a começar em Waterloo.
E assim foi dito, o Imperador perdeu a guerra, em 1815 e morreu no exílio em 05 de maio de 1821, na ilha de Santa-Helena. E mais uma vez, a profecia se concretizou.
Carlos X também viu.
Com a volta da monarquia parlamentar, o rei Luís XVIII (1814/1815-1824), irmão do guilhotinado Luís XVI, resolveu também morar no Palácio das Tulherias.
Em 1824, seu irmão mais jovem, o conde de Artois, futuro rei Carlos X (1824-1830), viu uma coroa ensanguentada nas mãos do Homem Vermelho. No dia seguinte o rei Luis XVIII com fortes dores de cabeça adoeceu e morreu sem deixar um príncipe herdeiro.
Profecia ou coincidência ?
Palácio em chamas e fim da profecia.
O Homem Vermelho apareceu pela última vez em 23 de maio de 1871 quando a parte da população parisiense, conhecida como a Comuna de Paris revoltados com a política do imperador Napoleão III (1852-1870), que havia pedido rendição e aceitado as condições para o retorno da paz imposta pela invasora Prússia, em protesto contra ele, colocaram fogo no Palácio das Tulherias.
Várias testemunhas garantem terem visto o Homem Vermelho no meio das chamas na janela da famosa sala dos Marechais (“salle des Marechaux”).
E havia sido previsto por Cosme Ruggiere, o inseparável astrólogo de Catarina de Médici, o Homem de Vermelho desapareceu definitivamente no meio ao fogo e a fumaça. E nunca mais foi visto.
Lenda Popular.
Diziam que o Homem Vermelho foi uma lenda contada pelo povo durante séculos, para que monarcas, soberanos e pontífices da França, que exerciam com seus poderes autoritários e divinos sobre a população, para que não se afastassem das leis fundamentais determinadas por Deus e que através de suas ações e decisões procurassem sempre a paz, a união dos povos e a preservação da religião cristã.
Agora caso utilizassem esse poder em causa própria indo contra o desejo de felicidade da população, todos seriam punidos gravemente pelo todo poderoso do Céu.
Por ordem da Câmera dos Deputados, hoje chamada de Assembleia Nacional, o Palácio das Tulherias foi totalmente arrasado em 1883.
Na foto acima podemos ver somente o que restou do incêndio, em cada ponta do atual museu do Louvre, o pavilhão “Flore” (lado do rio Sena) e o pavilhão “Marsans” (lado da rua de Rivoli).
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Fontes:
- “La belle histoire des Tuileries”, de Juliette Glikman (Ed. Flammarion, 2016).
- “Incendie de la Commune”, de Bertrand Tillier (site: L’Histoire par l’image).
- “Paris 1900 l’Art Nouveau” (site).
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Parabéns Tom seu Blog é muito interessante e cheio de detalhes. Adorei!
Continue a nos deliciar contando os segredos dessa linda cidade. Um abraço.
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Tom querido
Acabei de ler seu lindo texto…..Sendo lenda ou nao e muito perturbador …ainda bem que o fantasma sumiu nas cinzas do castelo incendiado .
Como eu gostaria de fazer esse tour com voces ,mas estou desde o ano passado com viagem marcada para julho.
Com certeza nao faltara oportunidade porque atras desse lindo passeio virão outros …
Obrigada por nos presentear com essas historias tão bem contadas
Abs meu e do Silvio
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Neusa e Silvio,
Eu sei que vocês são grandes apaixonados por Paris, e espero que um dia possamos nos encontrar novamente, e possa contar pessoalmente alguns segredos que a cidade esconde, e que vocês nem imaginam…
Abraços, e boa viagem em julho.
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Seja lenda ou não, eu adorei a história, cheia de detalhes interessantes! Ótimo .
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Espetacular! e arrepiante….. Amo “segredos de Paris”, vocês estão sempre de parabéns!!!!
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Sensacional Artigo!! Parabéns Tom Pavesi!!
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Obrigado Rogerio. Aguardo os seus para publica-los aqui também. Abs !